sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Consciência Fonológica

Denomina-se consciência fonológica a habilidade metalinguística de tomada de consciência das características formais da linguagem. Esta habilidade compreende dois níveis:

1. A consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas, ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras; as palavras, em sílabas e as sílabas, em fonemas.

2. A consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras faladas.(Byrne e Fielding-Barnsley, 1989).

Diferentes pesquisas têm apontado o papel do desenvolvimento da consciência fonológica para a aquisição da leitura e escrita. Estas pesquisas referem que o desempenho das crianças na fase pré-escolar em determinadas tarefas de consciência fonológica é preditivo de seu sucesso ou fracasso na aquisição e desenvolvimento da lecto-escrita (Juel, Griffith e Gough, 1986; Stanovich, Cunningham e Cramer, 1984; Capovilla, 1999; Guimarães, 2003). Crianças com dificuldades em consciência fonológica geralmente apresentam atraso na aquisição da leitura e escrita, e procedimentos para desenvolver a consciência fonológica podem ajudar as crianças com dificuldades na escrita a superá-los (Capovilla e Capovilla, 2000).

A consciência fonológica, ou o conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem, desenvolve-se nas crianças ouvintes no contato destas com a linguagem oral de sua comunidade. É na relação dela com diferentes formas de expressão oral que essa habilidade metalingüística desenvolve-se, desde que a criança se vê imersa no mundo lingüístico. Diferentes formas lingüísticas a que qualquer criança é exposta dentro de uma cultura vão formando sua consciência fonológica, entre elas destacamos as músicas, cantigas de roda, poesias, parlendas, jogos orais, e a fala, propriamente dita.

As sub-halidades da consciência fonológica são:

Rimas e aliterações
Consciência de palavras
Consciência silábica
Consciência fonêmica

Rima e Aliterações
A rima representa a correspondência fonêmica entre duas palavras a partir da vogal da sílaba tônica. Por exemplo, para rimar com a palavra SAPATO, a palavra deve terminar em ATO, pois a palavra é paroxítona, mas para rimar com CAFÈ, a palavra precisa terminar somente em È, visto que a palavra é oxítona. A equidade deve ser sonora e não necessariamente gráfica, ou seja, as palavras OSSO e PESCOÇO rimam, pois o som em que terminam é igual, independente da forma ortográfica.

Já a aliteração, também recurso poético, como a rima, representa a repetição da mesma sílaba ou fonema na posição inicial das palavras. Os trava-línguas são um bom exemplo de utilização da aliteração, pois repetem, no decorrer da frase, várias vezes o mesmo fonema.

Os pesquisadores Goswami e Bryant (1997) realizaram estudos a respeito da consciência fonológica e comprovaram que a habilidade de detectar rima e aliteração é preditora do progresso na aquisição da leitura e escrita. Isto ocorre, porque a capacidade de perceber semelhanças sonoras no início ou no final das palavras permite fazer conexões entre os grafemas e os fonemas que eles representam, ou seja, favorece a generalização destas relações.

É comum vermos crianças de 4 ou 5 anos brincando com nomes dos colegas em jogos de rimas como: "Gabriel cara de pastel, Fabiana cara de banana". Mesmo sem saber que isto é uma rima, a brincadeira espontânea das crianças atesta sua capacidade de consciência fonológica.

Consciência de palavras
Também chamada de consciência sintática, representa a capacidade de segmentar a frase em palavras e, além disso, perceber a relação entre elas e organizá-las numa seqüência que dê sentido. Esta habilidade tem influência mais precisa na produção de textos e não no processo inicial de aquisição de escrita. Ela permite focalizar as palavras enquanto categorias gramaticais e sua posição na frase. Contar o número de palavras numa frase, referindo-o verbalmente ou batendo uma palma para cada palavra, é uma atividade de consciência de palavras. Por exemplo: Quantas palavras há na frase: "O cachorro correu atrás do gato?" Ao responder corretamente esta questão ou batendo uma palma para cada palavra, enquanto repete a frase, a criança demonstra sua habilidade de consciência sintática. Além disso, ordenar corretamente uma oração ouvida com as palavras desordenadas também é uma capacidade que depende desta habilidade.

Déficit nesta habilidade pode levar a erros na escrita do tipo aglutinações de palavras e separações inadequadas. Embora esses erros sejam comuns no processo inicial de aquisição da escrita, como por exemplo, escrever: OGATO (aglutinação) ou SABO NETE (separação), a persistência destes tipos de erros pode ser motivada por uma dificuldade de consciência sintática. Esta habilidade implica numa capacidade de análise e síntese auditiva da frase.

Consciência da sílaba
Consiste na capacidade de segmentar a palavras em sílabas. Esta habilidade depende da capacidade de realizar análise e síntese vocabular. Segundo o dicionário Michaelis, a análise é a decomposição em elementos constituintes (neste caso, a sílaba) e a síntese é a operação mental pela qual se constrói um sistema; agrupamento de fatos particulares em um todo que os abrange e os resume (aqui, a palavra).

Zorzi (2003) faz uma análise da psicogênese da escrita relacionando-a com o desenvolvimento das habilidades de consciência fonológica. Segundo o autor, a criança só avança para a fase silábica de escrita (de acordo com a classificação de Emília Ferrero), quando se torna atenta às características sonoras da palavra, especialmente quando ela chega ao nível do conhecimento da sílaba.

Atividades como contar o número de sílabas; dizer qual é a sílaba inicial, medial ou final de uma determinada palavra; subtrair uma sílaba das palavras, formando novos vocábulos, são dependentes esta subhabilidade da consciência fonológica.

Consciência fonêmica
Consiste na capacidade de analisar os fonemas que compõe a palavra. Tal capacidade, a mais refinada da consciência fonológica, é também a última a ser adquirida pela criança.

É no processo de aquisição da escrita que esse tipo específico de habilidade passa a se desenvolver. As escritas de um sistema alfabético, como o português, o inglês e o francês, por exemplo, permitem que os indivíduos tomem contato com as estruturas mínimas do linguagem: os fonemas; o que não é possível num sistema de escrita silábico ou ideográfico.

Desta forma, percebemos que um certo nível de consciência fonológica é imprescindível para a aquisição da lectoescrita, ao mesmo tempo em que, com domínio da escrita, a consciência fonológica se aprimora. Ou seja, estágios iniciais da consciência fonológica contribuem para o desenvolvimento dos estágios iniciais do processo de leitura e estes, por sua vez, contribuem para o desenvolvimento de habilidades de consciência fonológica mais complexas.

Atividades como dizer quais ou quantos fonemas formam uma palavra; descobrir qual a palavra está sendo dita por outra pessoa unindo os fonemas por ela emitidos; formar um novo vocábulo subtraindo o fonema inicial da palavra (por exemplo, omitindo o fonema /k/ da palavra CASA, forma-se a palavra ASA), são exemplos em que se utiliza a consciência fonêmica.

A consciência fonológica associada ao conhecimento das regras de correspondência entre grafemas e fonemas permite à criança uma aquisição da escrita com maior facilidade, uma vez que possibilita a generalização e memorização destas relações (som-letra).

Estudos sugerem que a crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita devem participar de atividades para desenvolver a consciência fonológica, em programas de reforço escolar ou terapias com profissionais especializados, como fonoaudiólogo ou psicopedagogo. Além disso, as escolas podem desenvolver desde a pré-escola, atividades de consciência fonológica com objetivo preventivo, a fim de minimizar as possíveis dificuldades futuras na aquisição da escrita (Guimarães, 2003).
Fonte:Fono&Saúde